A resolução nº 34/2024/CNPCP, é importante dispositivo normativo que define diretrizes e recomendações referentes à assistência socio-espiritual e à liberdade religiosa das pessoas privadas de liberdade.
A seguir uma análise dos principais conflitos (minhas observações):
Este instituto normativo traz em sua escrita importantes dispositivos que em uma leitura rasa, direciona o leitor desatento a uma interpretação de inequívoca legalidade frente ao texto apresentado.
DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS E GARANTIAS
Até aqui tudo bem, inclusive se compararmos com Art.18 da Declaração Universal de Direitos Humanos.
Que confere com um outro artigo nosso em que levantamos a inconstitucionalidade Lei 14.532/2023 em seu Art. 20-C (recomendo a leitura).
Trago argumentos similares, senão vejamos:
Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo XVIII, descreve:
Art.18. Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.(grifo nosso).
Neste diapasão também temos a Convenção Americana de Direitos Humanos, que é a peça fundamental do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica). Foi subscrito em 22 de novembro de 1969, que ampliou a proteção ao “direito humano”.
Este tratado entrou em vigor no Brasil em 25 de setembro de 1992, com a promulgação do Decreto 678/1992, e se tornou um dos pilares da proteção dos direitos humanos no país, ao consagrar direitos políticos e civis, bem como os relacionados à integridade pessoal, à liberdade e à proteção judicial.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em diversos processos, pautou-se pelas diretrizes estabelecidas na convenção que possui o status supralegal.
No julgamento do RE 466.343, com repercussão geral (Tema 60), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos, se não incorporados como emenda constitucional, têm natureza de normas supralegais, paralisando, assim, a eficácia de todo o ordenamento infraconstitucional em sentido contrário.
Assim, a Convenção, entre os artigos 11, 12, 13, consagra a proteção da honra e da dignidade, a liberdade de consciência e de religião, a liberdade de pensamento e de expressão.
O status que a religião possui como direito fundamental do ser humano destacado no artigo 12.1, é sem dúvida uma forma taxativa de expressar toda sua essência (cientifica, filosófica, humana), que assim descreve:
Artigo 12 – Liberdade de consciência e de religião
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado.
2. Ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.
3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.
4. Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.”( grifo nosso)
Artigo 13 – Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:
a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. (grifo nosso).
Também foi recepcionado em nossa Constituição Federal de 1988, no título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, artigo 5º em que:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; (grifo nosso).
É inequívoco que o texto constitucional privilegia o direito à liberdade religiosa, também é clara seu entrelaçamento de direitos. Se interligando a liberdade religiosa com a liberdade de expressar seu credo, assim como a educação religiosa, preceitos religiosos, liturgia, proselitismo, liberdade ao culto de qualquer matriz.
Portanto, a proteção a liberdade de crença e religião é taxativa (restritivo).
Assim tem-se o primeiro “problema” detectado na Resolução 34/2024:
1 – Proselitismo Religioso
Para que o leitor possa entender, demonstramos a seguinte definição de proselitismo:
Proselitismo:
Tentativa persistente de persuadir ou convencer outras pessoas a aceitar suas crenças, em geral relativas à religião ou à política.
Etimologia: der de prosélito+ismo, como fr prosélytisme.
Fonte: dicionário Michaelis
Dito isto, iremos ao ponto.
Neste sentido o direito ao proselitismo é o elemento balizar da liberdade religiosa, interligado a liberdade de expressão e pensamento. Assim como possibilitar a prática da objeção de consciência que também é um direito fundamental, recepcionado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, senão vejamos:
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
(…)
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; (grifo nosso).
Objeção de consciência nada mais é que a aplicabilidade do pensamento intrínseco, inviolável, ou seja, o respeito pleno a autonomia da pessoa humana de consciência, de expressar suas ideias, crenças e seu proselitismo. Todavia, seu único limitador é a tutela mais importante de todas, aquela que sem ela nada faz sentido, que é a própria vida, veja:
I – Realizada a ponderação entre direitos e garantias fundamentais, o direito à vida se sobrepõe à liberdade de religião porque o direito à vida é a premissa maior para o exercício de qualquer outro direito assegurado constitucionalmente ou em tratados internacionais. II – O Poder Judiciário não pode ordenar a realização de procedimento médico cirúrgico sem possibilidade de transfusão sanguínea heteróloga em paciente por sua vontade, sob pena de colocar em risco a vida, ofendendo o principal direito fundamental assegurado constitucionalmente.
Acórdão 1251296, 07126198220198070001, Relatora: VERA ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 27/5/2020, publicado no DJE: 3/6/2020.
No mais, não é possível uma norma (Resolução) tolher direitos fundamentais e constitucionais.
2 – Racismo Religioso:
Ainda no mesmo disposto…
Aqui novamente enfrentamos o tema, pois em primeiro momento pergunto: qual é a definição (tipificação do crime) de “Racismo Religioso”?.
Em segundo momento deve-se analisar a inconstitucionalidade (na nossa interpretação) do Art. 20-C da Lei 14.532/23, que atinge diversos dispositivos normativos tais como: Declaração Universal dos Direitos Humanos, Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, e a própria Constituição Federal da República, dentre outros (normas e julgados), pois fica na pratica ficará a mercê do Juízo a definição quanto ao caso, veja:
“Art. 20-C. Na interpretação desta Lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.” (grifo nosso)
Dispositivo normativo que é utilizado para enfrenta nos tribunais o tema “Racismo Religioso”.
3 – Lei nº 7.716/1989
O que motivou em deixar explícito a vedação conforme Art. 4º,V ?
Vejamos:
Se a intenção é a isonomia defendida em seu Art. 1º do dispositivo aqui analisado, então, por que deixar expresso uma garantia para somente uma matriz “religiosa”?
Na mesma esteira e concluindo temos:
4 – “Agir de forma cooperativa com as demais organizações religiosa”
Mais um dispositivo que afronta os argumentos aqui apresentados, a começar pelo direito ao proselitismo religioso, ou seja, o direito constitucional de professar sua fé com urbanidade e respeitando o livre mecanismo de consciência e sua objeção, também consagrada no Art. 5º CF/88.
Assim, deve, novamente todas as matrizes de “religiões”, defenderem suas convicções utilizando como instrumento a Constituição da República e normativos internacionais igualitários, frente a normas impositivas que queira alterar, tolher direitos fundamentais.
Autores:
– Clayton Leão – Advogado e Contador
– Carla Regina Leão – Advogada